Fátima da Silva - em prosa e verso

A poesia me transforma. Ler poesia é transformar a alma em música.

Textos

A CACHOEIRA DE SANGUE
O ano foi 1964.  Ditadura militar...... todos conhecem......
A cidade, interior de Rondônia. Tudo começou assim:
Vilhena, era apenas uma vila no meio da floresta. Algumas casas e pouquíssimos moradores. Os verdadeiros pioneiros. Pessoas que vieram para esse novo Eldorado, com muita fé e coragem para vencerem na vida. Uma das famílias pioneiras era a dos Lopes. Quando a família Lopes resolveu trocar a agitação de São Paulo por Vilhena, deixaram para trás a filha, Cecília Lopes.
Em 1964, o Brasil vivenciava um período terrível na história política. A Ditadura Militar. Em Rondônia tudo era diferente. O tempo passava calmamente. No total? Seis residências. A base aérea. E, mais nada. Um lugar para poucos aventureiros corajosos. A terra era farta. Sol e chuva na medida certa. Muitos iam e vinham, o local conhecido como Portal da Amazônia. Em 1964, Território de Rondônia. Não existia asfalto, uma viagem poderia durar dias, semanas... assim a família Lopes se aventurou. São Paulo? Agitação? Correria? Nunca mais.
Os pais de Cecília trabalhavam em uma propriedade rural. Como as terras eram gratuitas, tomaram posse de aproximadamente quinhentos alqueires. A mata não era tão densa, mas o suficiente para manter os rios sem poluição e o ambiente fresco e aconchegante. Os Lopes tinham maquinário e deram início a uma plantação de soja, tudo para manter a filha na escola. Cecilia era uma excelente aluna, tanto que, aos 18 anos, foi aprovada em um dos vestibulares mais concorridos no Brasil. Cecilia, como toda filha amorosa, resolveu dar a notícia aos pais pessoalmente.
A viagem até cidade de Cuiabá – MT, foi tranquila. Cecília aproveitou o ensejo e levou consigo oito amigos, Janete, dezenove anos, Sandra, Camila e Verônica, de vinte anos e é claro os rapazes, Pedro, Antônio, Mateus e Tiago com dezenove, vinte e dois, vinte e três e vinte e seis anos respectivamente.
De Cuiabá à Vilhena o trajeto foi de ônibus. O fato de estarem em um grupo tão grande, tornou o trajeto divertidíssimo. Os jovens riam, cantavam, brincavam. Tudo era novo para todos. Estavam felizes.
Após dezoito horas na estrada, chegaram em Vilhena pela manhã. Tudo era festa. Os pais de Cecília, assim como os amigos, estavam felizes com tanta juventude junta. Os garotos eram alegres, bonitos, simpáticos - legais mesmo. As garotas,.... lindas, maravilhosas.
Depois de alguns dias em Vilhena, o tédio começou a tomar conta da garotada. Em Vilhena não existia diversão. As famílias se reuniam, uma vez por semana, para rezarem. Queriam construir uma igreja. O espaço já estava reservado. Para manterem-se unidos e ocupados, a igreja, era a desculpa para se encontrarem.
Já os novatos, para fugirem da mesmice decidiram acampar. Não seria um acampamento qualquer. Seria ‘o’ acampamento. Planejaram tudo nos mínimos detalhes, procuraram não esquecer de nada e realmente não esqueceram.
Na segunda-feira, de madrugada, partiram rumo a uma cachoeira em um distrito próximo à cidade de Vilhena. A caminhada seria longa. Mas valeria a pena. Antes de anoitecer, pararam para descansar. Era muita mata. Mata virgem. Precisavam parar. Não estavam acostumados a andar tanto. Naquela época, todo trajeto era feito a pé. Passaram a noite na mesma barraca, estavam com medo de verdade. Ouviam o barulho da mata. Onças e outros bichos, faziam o som da orquestra da natureza. Uma perfeição... não para os novos visitantes urbanos.
Pela manhã, perceberam que ainda tinha fogo na fogueira que acenderam antes de escurecer, porque depois que escureceu, ninguém teve a coragem de sair da barraca. Realmente ficaram apavorados com tantos sons. A sinfonia foi perfeita e ao mesmo tempo terrível.
Prosseguiram ao destino: a cachoeira. A alegria e o cansaço era visível no rosto de cada um daqueles jovens. A juventude tem dessas, só percebem o perigo depois que ele passa. Mas tudo bem, até o momento estava tudo bem.
Passava das três da tarde quando finalmente chegaram ao destino. O lugar era paradisíaco. Perfeito. Como poderia haver um lugar tão belo e tão único, localizado no meio da mata? Mas existia e estavam ali.
Tudo parecia tão perfeito... parecia. A água calma, espaço para montarem as barracas. Água transparente mesmo... a natureza era perfeita.
A garotada montou as barracas, preparam algumas coisas e caíram na água. Foi o banho mais relaxante que tiveram. Aproveitaram cada minuto.
O sol já estava se pondo quando resolveram acender uma fogueira, sabiam que os animais selvagens passariam por ali para beberem água. Fizeram quatro fogueiras. Uma fogueira em especial era para cozinharem o jantar. Ficaram acordados até tarde. Tocaram violão, cantaram, contaram várias histórias e deram muitas risadas e fizeram muitos, mas muitos planos. Já cansados, foram dormir. Os barulhos noturnos não foram percebidos tamanho era a exaustão. Aqueles rapazes e moças estavam realmente se divertindo.
Cada momento era como se fosse único, realmente o era. Cada momento... eles brincavam, cantavam, dançavam, nadavam. A diversão estava a todo vapor, como se dizia na época, - a diversão...
Cecília sentiu-se muito mal após o almoço. Comia exageradamente os enlatados trazidos por eles. Haviam colocado as latas com os alimentos no rio, pois de acordo com os “espertos” e bons entendedores – serviria para conservar por mais tempo. Cecilia realmente estava mal. Cecilia estava cansada. A turma resolveu fazer um “tur” pela mata.
- Eu não vou. – disse Cecília se contorcendo de dor. Estou mal, meu estômago e minha cabeça estão doendo muito.
- Nós ficamos com você. – a preguiça de Camila era visível. Não vamos deixar nossa melhor amiga e anfitriã sozinha.
- Parem com isso. Eu tomei um remédio e provavelmente vou dormir a tarde toda.
- E se aparecer algum animal? Quem vai te proteger? Eu não estarei aqui para salvá-la... disse Pedro todo solícito.
- Podem ir tranquilos. Ficarei bem.
Depois de tantas “rasgações de seda”; uma quase declaração de amor, a galera partiu mata adentro. Estavam com facões, lanternas, toda a tralha necessária para a aventura na “floresta”. Seria realmente uma aventura, o máximo que tinham enfrentado era a “floresta de pedra paulistana”.
Os rapazes à frente e as jovens atrás. Pareciam escoteiros, cantando e dando gritinhos para disfarçarem o medo e ao mesmo tempo a preocupação com Cecília que havia ficado sozinha no acampamento. Tiago era o mais atencioso, afinal até aquele momento não conseguia compreender o porquê de não abrir o coração para Cecília. Viajaram juntos, lado a lado, sentiu vontade de beijá-la, de acordá-la com um beijo, de fazê-la dormir em seus braços. – “Sou um bobão.” – repetia o tempo todo. Estava ali, todo solícito, apaixonado, com cara de “besta”, e nada de declaração. Por que não ficou com ela? Esta era a pergunta que se fazia o tempo todo. Estava ali com a galera, ...  o coração estava na barraca, junto à Cecilia.
- Pessoal não vamos nos afastar muito. Caso Cecília precise de alguma coisa, nós escutaremos. Não esqueçam de marcar bem o lugar por onde passamos para nós não nos perdermos.
- Você está certo Tiago. – fala Janete – a mata é bastante densa. Precisamos ter muito, mas muito cuidado mesmo.
A atenção foi redobrada por todos. Mas o que estava por acontecer... os jovens não imaginavam, em momento algum, que estavam sendo seguidos, observados...
A fila era indiana: Janete, Pedro, Camila, Antônio, Sandra, Verônica e Tiago. Será bastante interessante conhecermos melhor cada um deles. Vamos lá.
Janete tinha dezenove anos. Filha única. Família rica. Corpo perfeito para os padrões da sociedade. Baixinha, delicada, negra. Estudiosa. Janete quem convenceu os pais a autorizarem a viagem e ‘financiarem’. Quem pagou as passagens, carro, aluguel, toda a despesa, foi o pai de Janete. O poder de persuasão de Janete era indiscutível. Ela sempre conseguia o que queria. Janete era apaixonada por Tiago, o mais velho e mais responsável do grupo. Tiago tinha vinte e seis anos. Após muita dedicação, finalmente conseguiu aprovação no mesmo curso do pessoal. Todos eram calouros na Faculdade de Medicina da USP. Não queriam participar do trote e a viagem para Rondônia foi um achado; fugiram, literalmente dos problemas políticos que transformava o país em uma ditadura militar. A USP, era um berço político; não queriam se envolver, queriam estudar, tornarem-se médicos e salvar vidas. Esse era o plano.
Tiago era muito bonito. O seu sorriso conquistava qualquer pessoa, homem ou mulher, principalmente as mulheres. Tiago tinha algo de misterioso. Às vezes ele ficava distante com os seus pensamentos. Tiago não era de família rica. Sempre trabalhou e batalhou muito para começar a realizar o sonho de se tornar médico. A oportunidade de conhecer o novo Eldorado do Brasil, caiu-lhe como uma luva. Afinal de contas precisava de um lugar para iniciar sua vida profissional. Tudo isso já pensando no futuro. Tiago era assim, tudo muito bem planejado. Ele sabia que Janete gostava dele ... fingia não ter conhecimento. O coração dele tinha dona. Tiago pretendia declarar-se para Cecília. Enquanto caminhavam na mata, ele só pensava em Cecília.
“Devia ter ficado com ela” ...
Verônica era a sexy da turma. Bonitona mesmo. “Um mulherão” como diziam os amigos e os inimigos também. Se é que Verônica tinha inimigos. A beleza e o charme de Verônica, só não eram maiores que a simpatia que irradiava dos seus olhos. Verônica era uma mulher perfeita. Sandra e Camila ainda não tinham compreendido como conseguiram passar no vestibular. As duas se conheciam desde sempre. Conheceram Janete, Verônica, Cecília e os rapazes no dia do vestibular. Fizeram as provas na mesma sala e como Mateus era o esotérico do grupo, disse que o destino deles estava traçado. Que todos passariam no vestibular, e ficariam juntos para sempre. Os pais do Mateus eram advogados, tinham um escritório no centro de São Paulo e muitos clientes do alto escalão do governo. Mateus era extrovertido, amigo para toda hora. Pedro e Antônio, eram primos. Quase irmãos. O que um dizia o outro confirmava. Para os amigos, os dois eram cúmplices em tudo. Os pais confiavam nesses meninos cegamente. Embora estivessem sempre envolvidos em algumas confusões, os pais compreendiam que era coisa da juventude. Quando Pedro avisa a família que faria vestibular para medicina, Antônio diz que também faria e que ambos seriam aprovados.
Cecília. Ahh!! Cecilia, garota alegre? Nem sempre. Cecília era uma incógnita. E isso era que fascinava Tiago. Inteligente, delicada, esperta e acima de tudo, pé no chão. Cecília parecia ter bem mais de dezoito anos. As conversas com ela duravam horas. Os pais de Cecília foram para Rondônia, e ela ficou em São Paulo para estudar. Seguiu à risca os conselhos dos pais. Dedicou-se a aprender. E agora começaria a colher os primeiros frutos.
Todos tinham consciência que o fato de terem sido aprovados em um vestibular, não os tornava médicos. A verdadeira batalha começaria em alguns dias. Precisam curtir aquele momento ao máximo. Depois, somente estudo e mais estudo. Tinham a intensão de, depois de formados, participarem da Cruz Vermelha, queriam ajudar as pessoas mais necessitadas; todos tinham projetos.
A caminhada seguia mata adentro. De repente, um grito ensurdecedor. Todos olham para trás e veem Janete caindo morta. Começam a gritar e desesperados não conseguem entender o que está acontecendo. Coisas terríveis passam pela cabeça de cada um.
Aparece, ninguém sabe de onde, um homem estranho, com duas espadas, decepa a cabeça Antônio. Todos começam a correr desesperados, sem destino. Tiago só pensa em Cecília, volta desesperado ao acampamento e vê quando a criatura horripilante, carrega o corpo de Pedro e pendura em um galho. O corpo de Janete é jogado em um buraco próximo à cachoeira e é neste momento que Cecília acorda. Ao sair da barraca, Tiago grita para que ela volte. Cecilia olha e percebe o que está acontecendo, entra em desespero. Perde o rumo. Ao lado da cachoeira, pendurado em um galho, esta parte do corpo de Pedro. O grito de Cecília chama a atenção daquele ser misterioso que parte para cima dela.
Tiago, desesperado, tenta salvar a amiga e é empurrado para um buraco. Cecilia segura as mãos dele e sente uma dor terrível, uma lâmina fina como um fio de cabelo corta sua mão. Ela cai. Tiago simplesmente grita:
- Corra Cecília, corra.
Ela não ouve mais nada, corre como maluca e perde os sentidos.
Um por um daqueles jovens foram assassinados.
Cecilia foi encontrada em uma poça de sangue na manhã seguinte. Quem a encontrou foi um sitiante que, juntamente com seus irmãos, foram tomar posse de uma terra nas imediações. Colocaram Cecília no cavalo e quando chegaram em Vilhena, o pessoal da Base Aérea, a encaminharam para Cuiabá. Foram três meses em coma. Quando acordou, não dizia uma só palavra. A polícia ficou intrigada, pois não existia vestígio de sangue na cachoeira e muito menos corpos. Tentaram se comunicar com Cecília de várias maneiras, todas em vão. As famílias eram em decadência. O sofrimento era muito.
Por quê? Ninguém nunca soube responder. Quem?  Onde os corpos estão? Perguntas não respondidas até o ano de 2012.
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Março de 2012.
Um grupo de adolescentes foi visitar os moradores de um asilo, localizado na cidade de Vilhena – RO. Vilhena não mais uma cidade tão pequena. Colorado também não. Os famosos pontos turísticos do interior do estado, inclui a Cachoeira Colorado. Os moradores mais antigos de ambos os municípios recusam-se a falar sobre o massacre de 64. Os mais jovens não acreditam em nada.
- Isso é lenda urbana. – alguns diziam.
E assim o movimento de turistas crescia a cada fim de semana. Os corpos nunca foram encontrados. Até o ano de 2012...
A visita ao Lar dos Idosos, fazia parte de um projeto de escola. Os adolescentes estavam ansiosos. Prepararam-se. Organizaram-se. E lá estavam:
- Façam duplas para conversarem com as pessoas. Não façam perguntas indiscretas, cuidado com o vocabulário. – Repetia o tempo todo os professores.
Thiago Rodrigo, tinha dezessete anos. Estudava no terceiro ano do ensino médio. Era um bom garoto. Filho de militares, neto de militares, sobrinho de militares. Não queria ser militar. O sonho de Thiago Rodrigo era ser médico.
- Você pode ser médico do exército. – diziam os pais.
- Quero ser médico civil. Com problemas e tudo mais. – essa era a resposta.
Quando chegaram ao Lar dos Idosos, uma senhora sentadinha no canto da parede, chamou a atenção de Thiago. Aproximando-se dela sentiu que a tristeza fazia parte daquele rosto tão judiado pelo tempo. O ar sereno e ao mesmo perturbador.
Quem era aquela senhora? Qual a sua história? Ninguém ao certo sabia. A direção do lar registrou que, em uma noite, muita chuva e frio, o Corpo de Bombeiros chegou com uma jovem-senhora, aparentemente com problemas mentais. Informaram que a encontraram em uma casa abandonada e condenada pela defesa civil. Sem documentos, assustada, muito magra, quase morrendo.
Foi acolhida pela equipe médica. Cuidaram. Entretanto, ninguém sabia o seu nome. Resolveram chama-la de Ana. O porquê do nome também não foi informado. Simplesmente Ana. Ana de quê? Ana de nada. Nesses anos em que Ana está no asilo, muitas pessoas chegaram e muitas se foram. Ana continua lá. Nunca disse uma palavra. Os médicos não a diagnosticaram com problemas mentais, disseram apenas que ela deve ter vivido um grande trauma e o tempo curaria tudo. Mas o tempo não curou. Ana continuava do mesmo jeito.
Os visitantes aproximavam-se de Ana e como ela não sorria, não demonstrava sentimentos, esses mesmos visitantes se afastavam. O isolamento permanecia. Alguns moradores do asilo tentaram conversar com Ana. Tentativas falharam.
Thiago era um garoto esperto, inteligente, sabia exatamente o que queria da vida. A visita ao Lar dos Idosos, para ele, era a confirmação do futuro, seria médico geriatra. As histórias de vida das pessoas mais velhas sempre o fascinaram pois eram cheias de verdades, conselhos e acima de tudo, sabedoria. Ana não tinha uma das mãos. Curiosidade de adolescente, fez com que o garoto não desgrudasse os olhos dela. Ele queria saber como ela havia perdido a mão. Ninguém sabia ao certo. Várias histórias eram contadas. Mas qual a verdadeira? Ana era uma incógnita.
Ana continua no cantinho, Thiago aproxima-se e a cumprimenta:
- Boa tarde. Meu nome é Thiago.
- Cecília. – ela responde sem mover os olhos.
Quando os funcionários do asilo ouviram a voz de Cecilia, ficam pasmos; ela fala.
- A quanto tempo está aqui?
Não se ouve mais nada. Agora, Cecília, não mais Ana, retorna ao seu mundo.
O diretor do asilo chama Thiago e diz a ele que em trinta anos, é a primeira vez que Cecília diz alguma coisa. Diz também que ele era um garoto muito especial e que não era para desistir de Cecília, assim como outras pessoas o faziam.
- Ela é fantástica. Não vou desistir. Vou pedir ajuda aos meus pais e tentar descobrir o máximo sobre ela. Cecilia será a minha primeira paciente. – disse Thiago todo empolgado pela confiança depositada nele, naquele instante.
A conversa com os outros moradores do Lar dos Idosos fluiu maravilhosamente bem; o olhar de Thiago era para Cecilia. Quem era aquela mulher? Qual trauma ela carregava? Tinha família? Qual a história de vida dela? Todas essas perguntas Thiago queria responder, ou melhor, queria ouvir as respostas. Pronto, estava decidido. Retornaria com o intuito de obter todas as respostas possíveis e impossíveis no caso Cecília. Assim ele passou a chamar: Caso Cecília.
A professora pede para que se despeçam das pessoas e retornem ao ônibus. A visita havia chegado ao fim. Antes de qualquer coisa, Thiago chega ao lado de Cecilia e diz que voltaria.
- Você promete? – ela diz com um sorriso muito tímido.
- É claro que sim. Nos tornaremos grandes amigos.
O olhar de Cecilia retorna ao nada.
Na saída, mais uma vez os funcionários do asilo vem cumprimentar e principalmente agradecer a presença de todos. Thiago é o mais assediado. Todos querem parabenizá-lo por conseguir o que muitos profissionais não conseguiram. Ele fica lisonjeado e muito feliz, afinal de contas é um adolescente e como tal, sentiu-se muito importante.
Quando chegou em casa, Thiago foi relatar o feito para a família. O pai e o avô, principalmente o avô, como policiais, ficaram interessadíssimos na história. O avô, sabia de um caso antigo, ou melhor, tinha conhecimento que a “lenda urbana”, sobre o assassinato de oito jovens na Cachoeira Colorado, não era tão lenda assim.
Delegado Aurélio, esse era o avô de Thiago. Um homem de setenta anos, “muito bem vividos” – como ele fazia questão de frisar. Dr. Aurélio, não chegou a fazer parte do grupo de investigação em 64. Estudou o caso nos anos 90, mas foi aconselhado a não seguir em frente. Esse aviso sempre o incomodou. Dr. Aurélio tinha cópia de todo o processo. Saber o que aconteceu com aqueles jovens era uma questão de honra para alguns policiais da velha guarda. Talvez o fato de Thiago conseguir se comunicar com a única sobrevivente da chacina, fosse a chance que esperavam.
O pai de Thiago, também delegado, pensava diferente. Segundo ele, alguns casos precisam virar lenda. E a morte desses jovens já era uma lenda e assim deveria permanecer. Santiago, Dr. Santiago. Um bom homem. Dedicado à família, um exemplo de pai e filho. Dr. Santiago, delegado Santiago, um profissional frio, calculista, honesto, defensor dos direitos dos mais fracos. Bandido com ele não tinha vez. Prendia. Esse era o Dr. Santiago.
A pergunta que a família fazia o tempo todo era: “como o pai podia ser duas pessoas tão diferentes ao mesmo tempo”. Mas ele era. A única coisa que discordava do pai, era sobre a chacina de 64. Cada um tinha a sua teoria. Santiago desconhecia que o pai possuía cópia de todos os documentos sobre o caso. Se descobrisse... não aconteceria nada.
Thiago admirava os dois. Exemplos de homens e de profissionais. Agora ele tinha a oportunidade de ajudar o avô. Faria tudo o que estava a seu alcance. O avô merecia resolver essa incógnita. As dicas começaram, o dois trabalhando juntos e combinando tudo. O pai não sabia de nada. Thiago passou a frequentar mais o quarto do avô. Liam juntos os documentos de investigação. Thiago precisava conhecer o terreno que começaria a pisar. Tática organizada era o momento de começarem a agir.
A visita ao Lar dos Idosos foi em uma terça-feira. Não tinha pessoas de fora, somente funcionários e os moradores. Thiago chegou acompanhado do avô. Conversaram com o diretor, senhor Henrique de Sousa, mas não falaram o real motivo da visita. Henrique permitiu a visita quando quisessem.
- Sua presença, Thiago, faz bem à Cecília. Venha sempre que puder. Só gostaríamos de ficar informados se ela conversar mais contigo ou tiver uma reação fora do normal.
- Obrigado. Onde ela está?
- No quarto, como sempre. Fiquem à vontade...
Thiago e seu avô Aurélio, dirigiram-se ao quarto de Cecília. Encontraram-na sentada em um canto escuro do aposento. Não havia ventilação, as cortinas fechadas, transformava o ambiente em um lugar sombrio, triste e até aterrorizador.
- Bom dia Cecília, sou eu Thiago.
- .....
- Lembra de mim?
- ......
- Posso abrir as cortinas e a janela para entrar um pouco de ar?
- Claro meu amigo. Quero ver o seu rosto.
Thiago abriu as cortinas e no momento em que abriu a janela, entrou no quarto um vento refrescante. Cecília fechou os olhos e sentiu a brisa no rosto. O rosto dela estava diferente. Mais triste, mais abatido, mais distante.
- Cecília, - disse Thiago com todo o cuidado que lhe era possível – este é o meu avô, Aurélio. Ele queria muito te conhecer.
Cecília permanecia com os olhos fechados, sentido o vento.
Aurélio saiu do quarto. Nesse momento, Cecilia abre os olhos e diz:
- Ele pode ficar. Não vou esconder nada. Vou abrir meu coração à você e quem sabe, eu consiga morrer em paz.
- Calma amiga. Vá devagar. Não force a sua mente. Eu quero ajuda-la.
- Pobre criança. Você não imagina o que tenho passado nesses quarenta e oito anos.
De repente, Cecília entra em um transe e não fala mais nada. Thiago e o avô ficaram na companhia dela até o anoitecer. Nenhuma palavra mais foi dita. O tempo passava muito lentamente...
- Eu estou indo para casa Cecília. Assim que tiver um tempinho venho te ver.
Cecília não se mexeu.
...
...
...
Durante a noite, Thiago pensou nas palavras de Cecília: “Você não imagina o que tenho passado nesses quarenta e oito anos”. O que será que aconteceu? A “lenda urbana” era real? O sono não vinha. Quando amanheceu, percebeu que, talvez, Cecília fosse a culpada do crime e que o fato de acreditar que morreria em breve, iria confessar para aliviar a consciência.
- Poder ser que sim, vovô!
- Ou não. Ela só tinha dezoito anos na época...
- Mas o que se passa na cabeça das pessoas? Ninguém sabe... – amanhã irei até o Lar, mas irei só. – disse Thiago ao avô. Estava decidido a descobrir toda história. Queria saber a verdade.
Thiago era um jovem normal. Tinha os amigos, as paqueras, as baladas e até algumas coisas que não era bom que ninguém descobrisse. Ele estava apaixonado pela primeira vez na vida. A garota? Nossa.... era linda. Novata na escola. Inteligente, simpática e acima de tudo educada. Não era daquele tipo de garota que não lê, que fica só repetindo o que ouve e só pensa em futilidades. Não, ela era diferente. Diferente mesmo. Carina, esse era o seu nome. Thiago começou a dividir o seu pensamento entre duas mulheres: uma Cecília. A outra Carina. Os motivos que o levavam a pensar ora em uma, ora em outra, eram diferentes, mas a vida dele estava bastante complicada.
Alguns dias depois Thiago vai ao Lar dos Idosos. Vai só. Encontra Cecília, novamente, sozinha em um canto. Ternura. Esse era o sentimento que ele tinha por Cecília. Segurou em seu braço, a ajudou a ficar em pé e saíram para um passeio. Caminharam alguns metros. Sentaram-se próximo a um lago que fazia parte da propriedade do asilo. Era um lugar muito belo. Muitas árvores, muito verde, um lugar acolhedor.
- Cecília, eu sei que você sofre quando se fala no assunto, mas, mas, - ficou com receio – como você perdeu a sua mão?
Os olhos de Cecilia de encheram de água. Thiago teve medo. Tentou acalmá-la.
- Não fale, se te machuca tanto.
- Justamente por me machucar, é que eu preciso falar.
O relato começou, eram três horas em ponto.
“- Nós tínhamos vindo de São Paulo para visitar a minha família e comemorar a nossa aprovação no vestibular de medicina da USP. Nós estávamos em nove pessoas. Todas jovens, felizes, amigas, saudáveis. Assim nós éramos. Eu me lembro de cada cena. De cada rosto. De cada detalhe. – ela parou e respirou muito fundo. Thiago ficou com medo de ela passar mal. A saúde de Cecília era boa. Mas reviver aquilo, poderia ser terrível. - Janete, Sandra, Camila, Verônica, Pedro, Antônio, Mateus e Tiago, o meu Tiago – continuou – todos mortos, meu Deus!!!! Mortos Thiago, mortos.
Eu só tinha dezoito anos e fui obrigada a presenciar a morte de cada amigo. Eu era apaixonada por Tiago. Ele também gostava de mim. Mas nunca teve coragem de dizer o que realmente sentia por mim e nem eu por ele.
Eu me lembro do dia em que conheci Tiago. Estávamos no ponto de ônibus. Eu ia ao cursinho, ele, acho que trabalhar. Nos olhamos. Só isso e mais nada. O meu coração parecia que ia saltar pela garganta de tanto medo de ele vir falar comigo. No outro dia a mesma cena e finalmente ele se aproximou de mim. Perguntou meu nome. Respondi tão tímida, que ele nem escutou. Precisei repetir. Ele riu. Que sorriso lindo. Tiago e os outros tinham projetos de vida, assim como eu também tinha. O pai da Janete era muito rico. Tiago trabalhava para a família dela. Fizemos amizade ninguém soube explicar ao certo como tudo começou. Fizemos o vestibular e passamos. Todos seríamos médicos. ‘Médicos na Cruz Vermelha’, esse era o nosso intuito. Trabalharmos para ajudarmos as pessoas.”
- Vamos voltar, estou cansada.
Voltaram para a casa. Os passos de Cecília estavam mais lentos, entretanto mais firmes. Thiago percebeu. Cada movimento dela era estudado. Naquele momento Thiago sentiu-se um detetive decifrando o “caso Cecília”.
Quando retornaram já era a hora do jantar. Acompanhou Cecília até a mesa e mais uma vez notou que as pessoas não eram tão boazinhas quanto aparentavam. Uma senhora, bem mais velha que Cecília, foi a primeira a afastar-se dela. Não a queria por perto. Essa rejeição chamou a atenção de Thiago. Por quê? Por que tudo aquilo. O que aquela senhora tinha a esconder, de verdade...
No dia seguinte Thiago retornou ao asilo para falar com a outra mulher. Seu nome era Josefa. Dona Josefa, assim os amigos a chamavam. Thiago não pode conversar com ela. Dona Josefa faleceu à noite. Ninguém sabia o que havia acontecido, ela estava bem, de repente, amanheceu morta.
- Acho que ela enfartou. – disse uma das enfermeiras.
- Ela não tinha família e o enterro será daqui um pouco. – completou.
- Posso ir ao quarto dela? Queria muito ter conhecido ela antes. (Thiago estava curioso para saber o que havia acontecido de verdade.)
Quando entrou no quarto de dona Josefa sentiu algo muito estranho. O cheiro era o mesmo do perfume de Cecília. Mais estranho foi quando olhou de lado e Cecília estava ali, em pé, olhando para ele.
- Oi Cecília, a senhora me assustou.
- O que está fazendo aqui?
- Nada. Só curiosidade.
- Então saia, aqui não é lugar para você.
- Quando posso voltar?
- Depois que tudo voltar ao normal. Se é que algum dia voltará ao normal,
Thiago ficou com medo. Saiu disfarçando, tentando esconder o medo. O medo que sentia era de descobrir algo pior do que todos imaginavam. O medo de que a “lenda urbana” fosse real. Foi para casa e não conseguiu dormir, novamente. Pela manhã, foi até a casa do avô e contou os detalhes do ocorrido no dia anterior.
- Não volte lá sozinho, nunca mais. – disse o avô. – quando for, irei contigo.
O conselho do avô não era para ser obedecido. Thiago precisava saber a verdade. O fato de estar investigando uma chacina do século passado, estava empolgando o garoto. Não conseguia ver perigo em nada, ou quase nada. As desconfianças eram enormes. A cada momento uma pessoa diferente, olhava estranhamente para Thiago. Isso o incomodava. O que essas pessoas sabiam que ele não poderia saber? Essa era a pergunta que precisava ser respondida. Cecília tinha as respostas.
No fim de semana seguinte, Thiago resolveu dar um tempo nas investigações e dedicar-se aos estudos, semana de provas, e claro à sua namorada. Realmente estava apaixonado. Não tinha certeza se contava ou não para Carina. Ela era novata na cidade. E se ela não acreditasse? E se pensasse que ele fosse maluco? E se ela não quisesse mais sair com ele? Esse era o maior problema. Carina não querer mais sair com ele.
A família de Carina era um pouco esquisita. Três casais de gêmeos. Seis filhos no total, é claro. Carina e Carine, idênticas. Mas o coração de Thiago bateu bem mais forte por Carina. As duas, para não serem confundidas, pintavam os cabelos. Carina tinha mechas loiras em um cabelo longo, até as costas. O perfume era embriagador. O sorriso, .... nossa.... o sorriso era irresistível. Carine, cabelos curtos, dedicava-se pouco aos estudos. Vivia na quadra. Era esportista, como ela mesma se definia. Carina, leitora assumida. Estudiosa, sem ser sedentária. Um encanto.
Mas, como dizíamos, a família era estranha. Ninguém sabia de onde vinham, o passado. Simplesmente chegaram à cidade, compraram uma chácara, muito isolada e não tinham amizade com ninguém. Exceto os filhos na escola. Pouco falavam sobre a família. Por que mudaram para uma cidade de Rondônia, trabalho, essas coisas.
Carina conquistou a turma inteira com sua simpatia, a irmã também. As duas estudavam em salas diferentes, ambas no “terceirão”. Os irmãos menores eram um encanto. Os quatro menores estavam sempre juntos, apesar de gêmeos, eram diferentes até na aparência, não na simpatia e educação. Realmente eram encantadores.
A chácara onde moravam ficava à três horas da escola. Um lugar perfeito. Bonito mesmo. Muitas árvores, frutas, uma cachoeira...  Os pais de Carina não trabalhavam fora, somente na chácara. Haviam deixado bem claro aos filhos que não queriam, em hipótese alguma, visitas. Eles sabiam muito bem o porquê. Como bons filhos, não questionavam, simplesmente obedeciam.
As férias estavam chegando. Trinta dias de pura alegria. Dormir até mais tarde. Tomar banho de rio. Essas eram as diversões preferidas dos adolescentes. Ficar até tarde na rua, tomar um “téres”, curtir mesmo o tempo ocioso.
Thiago combinou com os amigos e claro com Carina, para passarem alguns dias na fazenda da família dele. Tudo organizado. Mesmo tendo uma casa grande na propriedade, queriam acampar próximo ao rio. Seria muita diversão. Os planos eram feitos e refeitos durante os intervalos das aulas. Carina e Carine, participavam das conversar animadas e de vez em quando se entreolhavam, conversavam com os olhos e riam. O riso das duas perturbou Thiago.
- Do que riem?
- Nada. Coisa nossa. Planos nossos. Não se preocupe.
A viagem seria na segunda semana das férias. Thiago queria passar pelo Lar dos idosos para saber como as coisas estavam.
Finalmente, férias........
No primeiro dia Thiago dormiu até as dez horas. Os pais deixaram, afinal de contas as notas do filho foram ótimas, ele realmente era um excelente aluno, um filho maravilhoso, merecia um descanso. Os pais sentiam orgulho do filho. Apoiavam-no em todas as suas decisões. Orientavam-no para que não se deixasse envolver no caso Cecília. A mãe pressentia perigo.
- Intuição de mãe – dizia ela – tome cuidado, o terreno que você está pisando pode ser muito perigoso.  
Thiago foi ao asilo somente à tarde. O rosto ainda estava inchado de sono. A impressão que tinha era estranha. Dormia, dormia e queria continuar dormindo. Para alguns adolescente, isso seria normal, mas não para Thiago, ele era agitado, não ficava parado por muito tempo. Como dizíamos, Thiago só foi ao asilo à tarde.
Ao chegar, percebeu um clima diferente, nada acolhedor. Ninguém sabia da visita dele, talvez esse fosse o motivo da indiferença.
- Boa tarde. Eu gostaria de ver a dona Cecília. – disse Thiago dirigindo-se a enfermeira de plantão.
- Ela está no quarto. Não a perturbe, ela não está muito bem.
- O que aconteceu?
- Ninguém sabe ao certo. O que se sabe é que ela começou a gritar, falar um monte de coisa, e .... garoto, cuidado, você não sabe onde está se metendo. – completou com um tom de voz mais baixo e olhando para os lados, como se não quisesse que alguém a visse conversando com ele. Thiago sentiu um frio estranho nas costas, como se de repente, uma geladeira fosse aberta atrás dele.
Thiago dirigiu-se ao quarto de Cecília com receio. As palavras da enfermeira, as palavras da mãe, o olhar das pessoas, começaram a incomodá-lo.
- Boa tarde Cecília. Como você está?
- Boa tarde. Eu pensei que você não voltaria. – o sorriso estava encantador.
- Vamos dar uma volta? Vamos conversar um pouquinho, preciso lhe falar algo, mas longe daqui.
Saíram de mãos dadas. A alegria estava estampada no rosto de Cecília. Dirigiram-se até próximo ao lago. Sentaram-se no chão. Thiago havia trazido uma cesta com suco e lanche. Começaram a comer e falar sobre o tempo.
- Esse ano nós vamos ter muito frio. O tempo está seco e a brisa muito gelada.
- Também acho. – respondeu Thiago com o pensamento distante.
- O que tem hoje? Algum problema? – Cecília estava desconfiada de alguma coisa. Acreditava que Thiago sabia mais do que realmente falava.
- Estou preocupado com você. Semana que vem vou viajar. Ficarei uns quinze dias fora. Você vai ficar bem?
- Claro que sim. Estou aqui há quarenta e oito anos. É claro que estarei bem.
- Não quero que pense que te abandonei. Só vou ficar um tempo com meus amigos e com a família. Iremos para a fazenda do meu avô. Lá tem uma cachoeira fantástica.
Quando Thiago disse “cachoeira”, Cecília deu um grito aterrorizante. Tremia o corpo inteiro. Ficou apavoradíssima. Começou a chorar. Thiago, assustado, não sabia o que fazer.
- Calma, calma, fique tranquila. Você está segura.
- Eu não estou segura, você não está seguro, ninguém está seguro...
- Cecília, - gritou Thiago – está na hora de você para de jogar comigo e contar definitivamente o que aconteceu com você e seus amigos. Só você tem a verdade, só você. Será que as outras pessoas não tem o direito de saber o que realmente aconteceu? – realmente ele estava irritado, estava perdendo a paciência, o que não era bom. Cecília percebeu e novamente calou-se.
Thiago a acompanhou até a casa. Não se despediu e partiu. Na saída disse à enfermeira que voltaria no dia seguinte e gostaria muito de conversar com ela. As palavras da chegada ainda estavam na cabeça dele – “cuidado”.
Em casa, Thiago pensava nas palavras da enfermeira – “cuidado”. Cuidado com o quê? Estava arrependido de ter gritado com Cecília, mas ela precisava parar de brincar de gato e rato. Os jovens, que morreram na chacina, tinham famílias e essas famílias precisavam de uma explicação, mesmo depois de tanto tempo, elas precisavam de uma explicação. Ela, Cecília, era a chave para todas as respostas e ela sabia disso. Estava mentalmente saudável. Então, do que tinha tanto medo?
Á noite, após o jantar, a família de Thiago reuniu-se na sala para compartilharem as aventuras do futuro médico detetive.  Quando o pai ligou a tevê, em um jornal local, Thiago ficou abismado com o que ouviu:
- “A enfermeira Maria de Sousa Santana, funcionária há cinquenta anos no lar de idosos, foi encontrada morta dentro do carro. A polícia investiga o caso como um suicídio”.
- Pai, ela não cometeu suicídio. Ela foi assassinada. Ela disse que tinha muita coisa para me falar e falaria comigo pela manhã. Pai, acredite em mim. – Thiago estava desesperado.
- Calma rapaz. Eu acredito, tanto é que nós estamos investigando todas as possibilidades. Fique calmo e cuidado. Não fale com ninguém. Nem com aquela senhora que você está visitando no Lar. Abra o olho, desconfie de tudo e de todos.
- Meu filho – disse a mãe de Thiago – acho melhor você e seus amigos não irem para a cachoeira. O seu avô não estará lá. É perigoso agora.
Thiago ouviu as palavras dos pais sem responder. Foi para o quarto e estava decidido a resolver todo esse mistério. Pela manhã saberia o que fazer. Não conseguiu dormir. De madrugada, ainda acordado, ouve uma pedrada em sua janela. Levanta assustado e vê Carina, chamando por ele.
- Carina, o que faz aqui a essa hora?
- Precisava falar com você e você não responde ao telefone.
- Espere, vou descer...
- Thiago, eu sei de tudo, tudo mesmo. Amanhã iremos juntos ao Lar dos Idosos. Não vá sem mim. Me espere. Até amanhã. Adoro você. – antes que Thiago falasse alguma coisa, Carina, já havia virado a esquina e desaparecido.
Agora sim a cabeça dele estava perturbada. Carina sabia de tudo, o quê?
Voltou para a cama. Dormiu como um bebê.
Quando amanheceu, após tomar o café, Thiago pegou sua bicicleta e foi direto para a chácara onde morava Carina. Queria ter certeza de que não tivera uma visão. O lugar era encantador, fascinante. A entrada da chácara era toda florida, parecia um paraíso. Quando Carine viu Thiago, levou um susto. Ela sabia que os pais proibiram visitas. Os pais também não sabiam que Carina estava namorando, daí a preocupação da irmã.
- O que está fazendo aqui? – pergunta Carine, super preocupada.
- Preciso falar com sua irmã. Ela está em casa?
- Sim, mas.... você não pode entrar.
- Por quê?
- Meu pai está em casa e ele não gosta de visitas. Coisas dele.
- Ok, chame ela para mim. Por favor.... – Thiago estava desesperado.
Carine entrou em casa e chamou a irmã às escondidas avisando que o namorado estava lá fora, no portão, esperando por ela.
O coração de Carina quase saiu pela boca. E se o pai percebesse alguma coisa? E se o pai resolvesse agredir Thiago? Não, isso ele não faria, não na frente da família. Correu até a entrada da chácara e puxou Thiago para um lado, longe do olhar das pessoas da casa:
- Oi meu querido, o que aconteceu? – pergunta Carina, assustada com a presença de Thiago na chácara. Você não poderia ter vindo aqui sem me avisar.
- Como assim? Você foi à minha casa ontem e não sabe do que se trata? Eu quero saber o que você tem para me falar...
- Eu não fui à sua casa. Eu nem posso sair de casa sem autorização dos meus pais. E por que eu iria, de madrugada ainda.
- Não vá me dizer que era um fantasma ou uma alucinação. Eu falei com você Carina. Não estou ficando maluco.
- Legal meu bem. Venha comigo. Vamos sair daqui, meus pais podem ver você.
Carina realmente estava com medo dos pais. Por quê? Será que ela sabia de alguma coisa do caso Cecília? Mais perguntas sem respostas.
Caminharam alguns metros, distanciando-se da chácara. Carina, ainda nervosa, disse que não foi procurar Thiago, na realidade a irmã foi no lugar dela. A enfermeira que morreu havia falado alguma coisa para Carine e ela estava com muito medo.
- Thiago, preste atenção, minha irmã e eu somos gêmeas idênticas. Nós mudamos o nosso cabelo para que as pessoas não nos confundissem tanto. Mas, algumas vezes nós “trocamos de identidade”, brincadeiras.... acho que você entende.
- Tá eu até entendo, mas o que tenho com isso.
- Minha irmã se passou por mim e foi até o Lar dos idosos. Eu queria saber o que você tanto fazia lá. Não tive coragem e ela foi no meu lugar. Ela se apresentou como se fosse eu. Você está me entendendo?
- Acho que sim....
- A enfermeira disse a ela que era para te convencer a desistir de investigar a tal Cecília, do contrário muita gente poderia se machucar.
- Muita gente, quem?
- Eu não sei.... Ela disse para não irmos a tal cachoeira, a que fica na fazenda de sua família. Se formos, será o local propício para agirem.
- Quem?
- Eu não sei!!!!!! – começou chorar.
- Fique calma. O que mais aconteceu?
- Quando Carine falou com a enfermeira, ela disse que tudo estava acontecendo novamente. A maldição estava de volta. Carine ficou com medo e foi para casa. Ela estava apavorada. E eu preocupadíssima com você. Com a gente...
Thiago abraçou Carina com ternura. Estava realmente apaixonado. Naquele momento, ele percebeu que ela também gostava dele, afinal de contas ficou preocupada.
O beijo trocado foi como o desabrochar de uma flor, parodiando Brás Cubas, a paixão entre o jovem casal, finalmente foi declarada, não através de palavras, mas através do beijo. Que beijo... Thiago e Carina, estavam em cima de uma árvore, ali seria o seu ponto de encontro e lugar de refúgio. Esta árvore ficava localizada bem distante da chácara onde Carina morava. Desta forma não haveria perigo de os seus pais encontrarem os dois juntos.
Passaram a manhã toda juntinhos. Beijos e mais beijos, afagos e mais afagos, trocas de carícias e mais trocas de carícias. Até que....
- Carina, - gritou Carine – onde vocês estão? O papai está vindo procura-la.
- Estamos aqui!!
- Rápido, Thiago vá embora. O nosso pai não pode conhecer você.
- Tá, mas por quê?
- Porque não será bom para ninguém. Vá por favor.
Thiago partiu e não olhou para trás. Estava chateadíssimo. Como poderia, ele, um homem de dezessete anos, quase dezoito, como ele sempre fazia questão de lembrar aos mais esquecidos, tinha que namorar a garota mais linda da cidade e escondido. Ele tinha a certeza dos sentimentos em relação à ela. Por que não abrir o jogo de uma vez e namorarem como um casal comum?
Voltou para casa. Tomou um banho. Dormiu.


Na chácara os pais de Carina e Carine, estão nervosíssimos com a visita indesejável.
- As duas sabem que não podemos receber visitas... e mesmo assim, escondem um rapaz debaixo de nossos narizes. Estão querendo o quê? Outra tragédia??
- Pai ele não sabe de nada. Está tudo bem!!!
As gêmeas eram idênticas até nos sentimentos. Estavam apavoradíssimas. Não queriam se mudarem novamente. Mas os pais tinham razão. Precisavam afastar-se de Thiago e de toda a turma.
- Nós não iremos mais à escola. – disseram chateadíssimas as gêmeas mais velhas -  E quanto aos outros?
- Eles também ficaram em casa.
- Ah não, elas fazem as coisas erradas e nós também pagamos o pato??? Isso não é justo, elas já viveram bastante, nós somos “crianças”, “inocentes”, precisamos conhecer mais da vida. Não nos tirem da escola. Lá é um lugar perfeito, somos nós mesmos...
Os gêmeos mais novos eram Pedro e Paulo, de dez anos; Camilo e Camila, com oito anos. Gêmeos, mas não idênticos. Amigos, cumplices, educados, meigos. Crianças que todos queriam ter.
Mas alguma coisa por trás de toda aquela gentileza incomodava. Ninguém ao certo saberia do que tratava.
Em sessenta e quatro, os Almeida Lasar, não moravam em Rondônia. De acordo com as conversas que Thiago teve com Carina, eles residiam em Minas Gerais quase que a vida toda. Moraram um tempo no Chile, na Argentina e até no Canadá, mas Minas Gerais, para ela, era o verdadeiro paraíso. Só compartilhava com Thiago os nomes dos lugares em que moraram, nunca falou nada sobre as pessoas, ou mesmo as ações e empregos da família nesses lugares.
Thiago não achava nada de mais, até aquele momento...
Depois da morte da enfermeira Maria de Sousa, Thiago retornou ao asilo e percebeu que o ambiente estava mais sombrio do que antes. Uma névoa estranha tomava conta de todo o pátio da propriedade. Não tinha ninguém na recepção. Dirigiu-se ao quarto de Cecília. Ao abrir a porta levou um susto:
- Quem são vocês?
- Boa tarde garoto. Você deve ser o Thiago, amigo da nossa amiga Cecília...
- Sim. Sou eu. E vocês?
- Sou o doutor Almeida Lasar e esta é minha esposa, Teresa Lasar.
- Os senhores são os pais dos gêmeos?
- Sim, isso mesmo. Você os conhece?
- A cidade inteira conhece, ... da escola.
- Você está ouvindo Cecília? O seu amigo conhece os meus seis filhos, ... da escola. Todos conhecem meus filhos da escola.
Cecília não disse uma única palavra. Novamente Thiago sentiu aquele vento gelado em suas costas. Quando isso aconteceu, automaticamente, Cecília olhou nos olhos de Thiago, como se dissesse – “não abra a boca.” Ele entendeu. Ficou calado.
O casal despediu-se e partiu.
Cecília e Thiago continuavam imóveis, não diziam uma única palavra.
Uns dez minutos depois, Cecília quebrou o gelo:
- Vá divertir-se com seus amigos na cachoeira. Você merece um bom descanso.
- E você?
- Eu estou bem.
- Quando você vai falar comigo sobre o que realmente aconteceu quando você perdeu a sua mão.
- Falarei amanhã. Eu prometo... venha só. Traga algo para gravar a minha fala. Você é um homenzinho muito inteligente. Saberá como agir na hora certa.
- .....
- Você precisa saber com o que está lidando, para saber proteger-se e proteger os seus amigos. Vá à cachoeira.
- Ok? No próximo fim de semana iremos.
Cecília segurou as mãos de Thiago. Segurou firme. Olhou dentro dos olhos dele e disse:
- Você é o meu anjo.
Thiago beijou as mãos de Cecília e percebeu lágrimas nos olhos dela.
- Eu já vou. Esta tarde e meus pais ficam preocupados com a minha demora.
...
....
.....
Thiago chegou em casa exatamente no momento em que o jantar estava sendo servido.
- Até que enfim. Pensamos que não voltaria mais. – disse a mãe, chateada e dando uma bronca ao mesmo tempo.
- É melhor lavar as mãos e vir jantar mocinho. Temos muito o que falar após o jantar.
- Falarão sim, mas depois de toda a louça lavada. Hoje você, Thiago, vai limpar a cozinha.
- Tudo bem mãezinha, você merece.
Os pais estranharam a reação do filho. Ele detestava lavar louça, ou fazer qualquer coisa na cozinha. Alguma coisa estava acontecendo...
Todos jantaram em silêncio.
Thiago, ao terminar, levantou-se e juntou toda a louça e levou para a cozinha. Iria começar a lavar quando o pai lhe disse com uma voz muito séria:
- Sente-se aqui meu filho. Precisamos conversar com você.
- Eu vou limpar a cozinha...
- Não, não vai. – disse a mãe muito aflita. Sente-se seu pai e eu queremos falar com você.
Os pais se olharam. A impressão que se tinha era que precisavam perguntar algo ao filho, mas não conseguiam. Caramba o pai era delegado, sabia interrogar, por que não perguntava logo o que queria saber e acabava logo com aquela cena?
- Meu filho, ... sua mãe e eu queremos saber,.... você está usando drogas?
- Claro que não!!!! Thiago começou a rir. Desde quando esse pensamento está passando pela cabeça de vocês?
- Desde que começou a namorar aquela garota hipe.
- Que garota? Hipe? Quem é hipe?
- Aquele pessoal que mora “naquela” chácara.
Os moradores da cidade diziam que a família Almeida Lasar, eram hipes e que usavam drogas. Por isso viviam sempre ‘alegres’ e aparentemente ‘felizes’. Os comentários sobre eles eram os mais extraordinários possíveis. Dormiam em caixões, tinham um disco voador invisível, esse tipo de observações. Os mais exaltados diziam ainda que tinham uma plantação de ‘maconha’ em estufas. A polícia já havia sobrevoado a propriedade e a única coisa que viu foi uma névoa muito densa, apesar do dia estar totalmente ensolarado.  
- Pai e mãe, prestem atenção, vocês me educaram muito bem. Os Almeida Lasar, são esquisitos, eu sei, mas não tem nada com o que esse povo anda falando. E outra coisa...
- O que meu filho. – a mãe aflita.
- Eu estou namorando a Carina, uma das gêmeas mais velha.
- Namorando... qual delas é a Carina? A de cabelo curto ou a loira?
- A loira, mãe...
- Também tanto faz, as duas são lindas.
- Claro meu bem, são gêmeas idênticas.
- Pai, mãe, os pais dela não sabem e não podem saber. Ao menos por enquanto.
- Por que não? – diz o pai irritado. Você é um bom garoto. Um bom partido, como dizem por aí. E o cara tá pensado o quê? Que você não é bom o suficiente para a filha dele? É isso?
- Não. Eles querem que os filhos estudem e somente depois da faculdade podem namorar e se casarem.
- Por que casamento? Aconteceu alguma coisa?
- Mãe não!!! Coisa deles. E, já que não vou lavar a louça, posso ir para o meu quarto, agora?
- Boa noite filho, tenha bons sonhos. – disse a mãe, agora bastante tranquila, sabendo que o motivo da mudança de comportamento do filho, era uma garota.
Quando Thiago entrou no quarto, aquela névoa estranha tomava conta do ambiente. Novamente aquele frio nas costas. Olhou pela janela e não viu nada. A noite estava linda, não havia motivos para tanta névoa. Muito menos com aquele clima quente. Ligou o ventilador e tudo aquilo de dissipou.
Ao deitar-se, só conseguia pensar nos beijos de Carina. O perfume dela era suave como ela, aconchegante como o colo. Carina era perfeita. De repente ele ouve:
- Perfeita demais, não acha?
Aos pés de sua cama Thiago vê Cecília. Leva um susto terrível e grita. Os pais correm até o quarto do filho e o encontram desacordado, no chão. A mãe fica desesperada e o pai, como bom policial, chama a ambulância e o garoto é conduzido quase que imediatamente ao Pronto Socorro. Não acompanha a ambulância, fica. Quer saber exatamente o que está acontecendo. No que o filho está metido. Ou que está perseguindo o garoto.
As investigações começam. O avô também chega. Os dois homens se olham como se quisessem confirmar o que viam. Sabiam do que se tratava. Só queriam a confirmação.
- Demorou meu filho. , mas a hora chegou.
- Não podemos fazer nada?
- Podemos. Não intervir.
- Pai, é meu filho, seu neto. Somos policiais, não vamos fazer nada?
- Vamos, vamos esperar o momento certo e agir.
- Certo! Vou esperar suas ordens. Não vamos falar nada para Regina, ela não entenderá nada.
- Combinado.
Pai e filho, mais uma vez se olham. Se abraçam. Sabem que algo terrível vai acontecer e que eles não podem impedir, ao menos por enquanto.
Thiago passou a noite no hospital. A mãe não saiu do lado dele nem um instante. Os amigos foram visita-lo. Queriam saber o que estava acontecendo. As gêmeas também foram. Acharam estranho o pai autorizarem a visita. Mas não discutiram, foram. O hospital parecia uma praça de encontros com tanta gente bonita. A galera da escola estava toda lá. Regina estava muito feliz em saber o quanto, o seu filho, era querido. Conheceu Carina e encantou-se o jeitinho meigo dela. Só não gostou porque os ‘amigos’, não falavam em outra coisa a não ser no acampamento na cachoeira.
- Garotos, Thiago está doente. Ele não pode ir acampar.
Neste momento o médico entra e avisa que todos devem ir para suas casas. O hospital é um lugar de silêncio e repouso. Avisa também que Thiago irá para casa quando amanhecer e que poderá sim acampar com os amigos.
- Ihu!!!
Comemoração geral.
Pela manhã, ao chegar em casa, Thiago não lembra ao certo o que realmente aconteceu. Tem uma leve suspeita, mas ao mesmo tempo tem medo de acharem que enlouqueceu. Fica quieto, não comenta com ninguém sobre nada; afinal de contas não tem certeza de nada.
A mãe paparica o filho mais do que tudo. A esperança é que ele e os amigos desistam dessa aventura. Tudo em vão.
Thiago dormiu o dia inteiro. À noite os amigos chegam para visita-lo e combinaram tudo sobre o acampamento.
Mais bagunça no quarto. Realmente Thiago estava bem. De repente, Ricardo, pergunta:
- Que desenho é esse?
- Onde?
- Na parede!!!!
Todos olham para a parede. Um canto, atrás da porta. Um desenho horrível, esquisito, sem nexo algum. Cores fortes, escuras. Tiveram a impressão de que aquele desenho estava ali há séculos. Parecia realmente uma pintura muito antiga.
- Eu nunca vi isso antes. E olha que eu durmo nesse quarto há mais de dez anos.
Ricardo era um cara legal. Observador, bisbilhoteiro. Ele que estava esparramando comentários esquisitos sobre os Almeida Lasar. Para ele, os Almeida, eram de outro planeta. Tudo fantasia. Lenda ‘urbana’.
Começaram a examinar o desenho. Ninguém compreendia do que se tratava.
- Não falem nada para os meus pais. Se falarmos eles não permitirão a nossa ida até à fazenda.
Quinta-feira. Passou rápido, nada de novidades.
Sexta-feira. A única novidade foi a visita das gêmeas. Carina estava mais lindo do que nunca.
- Saíram do cativeiro? – Thiago vai até as duas, está feliz, muito feliz.
- Oi meu amor. É amanhã que iremos para a tão falada cachoeira na fazenda de sua família?
- O quê? Você vai? Não consigo acreditar.
- Nós vamos. – Carine avisa. Nós, se está pensando em ficar no meio da mata, sozinho, com minha irmãzinha? Está enganadíssimo. Podem até ficarem sozinhos, mas eu estarei de olho nos dois.
Ambos caíram na risada. Só o fato de os pais de Carina autorizarem o namoro, já era motivo para grandes comemorações.
Carine entrou no quarto de Thiago e como se soubesse o que tinha atrás da porta, foi direto ao desenho e fotografou. Discretamente disse:
- Thiago, você nunca arruma o seu quarto? Que bagunça, quase me perdi.
A irmã também sorrindo e discretamente, olha pela porta:
- Nossa, o que é isso? Você não precisou de uma bússola para sair?
Neste instante a mãe de Thiago chega e concorda com as meninas sobre a desorganização do quarto do filho. As três começam a dar broncas em Thiago, falando sobre como é importante e higiênico um quarto bem organizado.
- O que é isso? Complô? Tô fora!
Passaram a tarde juntos. Os três. Divertiram-se muito. Comeram, assistiram televisão, jogaram videogame, comeram novamente e as meninas voltaram para a chácara depois do jantar. Elas estavam felizes.
Pela manhã, a galera estava completa em frente à casa dos pais de Thiago. Total: nove pessoas: quatro meninas e cinco rapazes. Todos jovens adolescentes, concluintes do ensino médio. Com sonhos de se tornarem médicos, engenheiros, enfermeiros, donas de casa, fazendeiros. Todos sonhadores. Lindos. Alegres. Saudáveis.
Foram a pé até o ponto de ônibus. Ainda não eram seis horas da manhã. Queriam pegar o primeiro ônibus. A viagem seria rápida. Se fossem de carro, quarenta minutos, mas o trajeto da linha do ônibus até a casa da fazenda seria feito também a pé. Era muito mais divertido.
Partiram.
Regina começa chorar.
- O que está acontecendo? Por que tanto choro?
- Não sei meu amor! Senti uma dor terrível no meu coração. Alguma coisa vai acontecer a essas crianças.
- Meu bem, calma. Tudo vai ficar bem. Papai e eu, vamos para lá daqui um pouco. Vamos dar um tempo para que eles pensem que estão sozinhos. – Dr. Santiago acalmou a esposa. Mas ele estava angustiado. Sabia do destino do filho e faria tudo para mudar.
Duas horas depois, a garotada chegou à fazenda. O lugar era maravilhoso. Parte da terra, era declarada como reserva ambiental, daí tanta mata densa. O local onde ficava a cachoeira era mais distante. Estavam cansados. Entraram na casa e um empregado da fazenda diz que já estava esperando por eles. Qualquer coisa era só chamar. Um café os esperava na área do fundo da casa.
- Nossa!!!! Que banquete é esse! Só para nós? Gente que delícia.!!
Lucia, como era bastante sedentária, estava exausta e faminta. Todos “atacaram” a mesa. O café preparado pelo capataz estava perfeito. Muita fruta, leite, queijo – da fazenda – pão caseiro. Comeram muito e resolveram descansar nas redes. Precisavam estar preparados para seguir em frente. A caminhada da casa até a cachoeira, era bem grandinha; uns dois quilômetros mata adentro. Mata densa. Atravessar pasto, essas coisas.
O capataz chamou Thiago à parte:
- Olha Thiago, seu avô pediu para que não dormissem na cachoeira. Eu não vejo nada demais, mas se quiserem podemos montar guarda para vocês.
- Claro que não Pedrão, eu sei que você é de confiança, mas tá tudo bem. De boa mesmo. Nós vamos dormir lá e amanhã à tarde, retornamos para cá. Papai deve vir a noite nos buscar.
- Beleza. Não tem mais ninguém na fazenda além de mim e vocês. Ficarei aqui na sede. Qualquer coisa, mande sinal de fumaça. – ambos riram.
A galera estava realmente cansada. As gêmeas eram só alegria. O coração de Thiago, quando encontrava o olhar de Carina, faltava saltar pela boca. Eles combinaram de passar a noite na mesma barraca e é claro que Carine não sabia de nada; se soubesse, parecia disfarçar muito bem.
Cada um tinha um plano, isso incluindo as meninas.
De repente, chuva. Não era uma chuva fina, passageira, era quase um ‘dilúvio’.
- Ainda bem que não desceram para a cachoeira, seria muito perigoso. – comentou Pedrão solícito.
- Pessoal, é melhor passarmos a noite aqui. O Pedrão tem razão, chovendo como está, é muito perigoso irmos até a cachoeira. A casa é grande... faremos alguma coisa para comermos e ficamos. Se o tempo melhorar, pela manhã iremos. Combinado?
- Combinado!! Fazer o quê? – a decepção na cara das gêmeas era visível. Thiago também estava decepcionado, mas sabia que ficaria a noite inteira com Carina.
Como já foi dito, a casa era muito grande, uma varanda enorme e algumas redes armadas. A chuva continuava. Thiago e Carina, deitaram-se em uma das redes. Ficaram de namorico por um bom tempo. Um relâmpago iluminou o céu, Carina sentiu medo. Abraçou o namorado com força e nesse momento Carine chega e diz para não exagerarem, pois o pai poderá proibi-las de sair novamente. Outro relâmpago, mais forte que o primeiro e as duas abraçam Thiago.
- Oba, agora sim, estou bem servido....
- Gracinha, tire as mãos de mim...
- Você que grudou em mim. – disse soltando uma gargalhada.
- Tá vendo né maninha. O nosso cabelo é diferente e mesmo assim ele nos confunde.
- Eu jamais te confundiria com Carina. Ela sabe disso. – dizendo isso a beijou apaixonadamente e outro relâmpago.
Pedrão pediu para que entrassem pois o jantar estava pronto. Ficaram enrolando um tempão e um dos rapazes percebeu que se aproximava um carro. Um não, dois.
- Quem será a essa hora?
- Tá cedo ainda... não são sete horas ainda.
O carro do pai e do avô chegaram juntos. Quando Carina e Carine viram os carros, ficaram nervosas, preocupadas. O motivo? Somente as duas sabiam. Precisavam terminar o que haviam começado.
- Boa noite pessoal, precisamos voltar para a cidade agora. Aconteceu algo terrível e vocês precisam voltar.
- O que aconteceu papai? – pergunta Thiago desesperado. – mamãe está bem?
- Sim sua mãe está bem, mas precisa de você. Seu avô veio comigo para podermos levar todos em uma única viagem.
- Patrão, boa noite. – Pedrão também estava preocupado – a boia já está pronta. Comam e depois vocês irão mais tranquilos.
Todos jantaram calados. Deixaram as barracas na fazenda e levaram somente as coisas pessoais. Voltariam à fazenda e assim teriam menos coisas para carregarem.
Entraram nos carros e partiram rumo à Vilhena. A viagem foi rápida, turbulenta, por causa da chuva e silenciosa. Ninguém abriu a boca no trajeto. E a chuva continuava. Cada garoto foi para a sua casa e as gêmeas foram levadas para a chácara. Estavam visivelmente decepcionadas. Mas teriam outra oportunidade.
A mãe de Thiago sofreu um AVC, ninguém sabe como, talvez causado pelo estresse do dia a dia. Vai saber...  Assim que viu o filho, recuperou-se imediatamente. Todos estranharam, inclusive os médicos. O que aconteceu com Dona Regina? Saudades do filho? Ela passou a noite no hospital, precisava fazer alguns exames e descansar um pouco. Descansar não! Repousar!
No domingo de manhã, logo após o café, Thiago dirigiu-se ao asilo. Algumas coisas precisavam ser esclarecidas. Precisava falar com Cecília. Tirar um monte de coisas a limpo. Estava decidido a só sair de lá com o mistério todo resolvido.  
Encontrou o Lar dormindo. Nove horas. E a pessoas dormindo. Que delícia... a temperatura, por causa da chuva, havia caído bastante. Daí estarem dormindo. Porém, quando Thiago entrou, Cecília estava no lugar de sempre, como se o esperasse. Ela sabia exatamente o que ele queria. Ele se lembrava perfeitamente da presença dela no quarto dele. Cecília olhou bem fundo nos olhos do jovem e não disse uma só palavra. Virou-se e dirigiu-se ao quarto. Thiago a acompanhou, também sem dizer nada. O médico de plantão, observou a cena com muita curiosidade. Estranhou o movimento dos dois, mas nada disse ou fez. Deixou para lá – ‘não tenho nada com isso.’ e retornou a seus afazeres.
Quando Thiago entrou no quarto de Cecília, e não era a primeira vez que o fazia, sentiu como se fosse outro lugar, outro quarto. Um ambiente bem iluminado, limpo, como se uma faxina tivesse terminado a poucos segundos. Cecília sentou-se próximo da janela e pediu para que Thiago fizesse o mesmo. Ele, simplesmente obedeceu, nada disse. Obedeceu.
- Chegou a hora garoto. Ouça-me com muita atenção e não pergunte absolutamente nada. – o relato começou ou recomeçou. – “quando meus amigos e eu passamos no vestibular para medicina, todos tínhamos sonhos, todos éramos bons, não merecíamos terminar a nossa vida e nossa juventude do jeito que terminou. Nós tínhamos um amigo chamado Mateus, ele sempre dizia que o nosso destino estava marcado e que ficaríamos juntos para sempre. É claro que ninguém nunca levou ele a sério. Até tudo começar, ou tudo acontecer. Chegamos em Cuiabá, capital do Mato Grosso de madrugada. Não tinha nem um ônibus para Rondônia. Ficamos zanzando pela rodoviária da capital mato-grossense até amanhecer. E como demorou. Não nos incomodamos. Ficamos brincando pra lá e pra cá. Foi divertido. Quando os primeiros raios de sol começaram a aparecer, surgiu, não me lembro de onde, um grupo de pessoas, estranhas, bonitas, mas estranhas e o mais velho do grupo, que parecia ser o chefe, simplesmente olhou nos meus olhos e disse com todas as letras – vamos nos encontrar. E sorriu. Eu tive medo. Do mesmo jeito que apareceram, desapareceram. Todos da turma, viram eles. Todos. Todos sentiram, ao mesmo tempo, um frio intenso nas costas. A viagem de Cuiabá à Vilhena demorou quase vinte e quatro horas. Apesar de cansativa, foi divertidíssima. Quando descemos do ônibus, já em terras rondonienses, nos sentimos como se estivéssemos desembarcando em um deserto. Que lugar era aquele. Por que meus pais foram escolher, justamente ‘aquele’ lugar. Vilhena era terra de ninguém. A recepção foi maravilhosa, pois eu estava com muita saudade da família. Meu pai, minha mãe e até os meus cachorros. Aqui tinha muito espaço para eles. O que não faltava era espaço. Espaço físico e espaço psíquico, não havia nada, nada, nada mesmo. Só mato e mais mato. Foi aí que surgiu a ideia de irmos para a Cachoeira Colorado. – um suspiro forte e uma lágrima – parecia que tudo daria certo e deu. Eu pressenti que era o momento exato para abrir meu coração para Tiago. Ele era o mais velho da turma, o mais experiente, o mais bonito, o mais tudo. Não consegui abrir a minha boca. Caminhamos oito horas por dia. Parávamos, descansávamos, cantávamos e continuávamos. Quando chegamos à cachoeira, estávamos exaustos, mas valeu cada gota de suor, cada calo nos pés, cada picada de mosquito. O lugar era um oásis. A impressão que tínhamos era que aquele lugar não pertencia a aquele lugar. Montamos acampamento, fizemos as fogueiras. Cinco no total. Medo dos animais. Cozinhamos a nossa comida e fomos para a água. Que água!!! Era refrescante, saudável, pura mesmo. Naquela época não havia fazendas e muito menos o desmatamento de agora. Ficamos até tarde cantando e contando histórias. Quando nos deitamos, praticamente todos apagaram no mesmo instante, tamanho era o nosso cansaço. Acordamos bem tarde. Percebemos, pelas pegadas próximas ao rio, que alguns animais ignoraram o fogo e beberam água. Tudo bem, todos estavam bem. A preguiça e o calor nos dominava. Tomamos banho, brincamos mais, joguinhos de sedução, tudo rolava de maneira muito inocente. Após o almoço, resolvi descansar, não estava muito bem. A galera decidiu explorar a mata. - ‘seriam bandeirantes’ -  coisa ingênua. Tiago queria ficar comigo, eu disse que não precisava e ele foi com o grupo. Nesse Cecília começou chorar descontroladamente.
Thiago ficou sem saber o que falar ou fazer e naquele instante sentiu o frio nas costas. Olhou e percebeu que as janelas estavam fechadas. Quando mudou o olhar para a porta, o susto foi muito maior. A família Almeida Lasar estava lá. Todos.
- Bom dia! O que fazem aqui? – disse encarando desconfiado para Carina.
- Nossas chegaram pela manhã e pelo relato, sabíamos que o seu destino era esse. Falar com Cecília. E não erramos. Certo?
- O que vocês têm com a história dela?
- Mas do que você pensa. – disse Cecília.
- Continue o relato senhora. Pediu Carine, acomodando-se no chão juntamente com os outros. Os pais e Carina, sentaram-se próximos à porta. Thiago permanecia sentado na beira da cama de Cecília. Quanto à ela, não aparentava surpresa alguma. Ela já os aguardava.
- Eu vou continuar, vocês são personagens dessa história.
- Como é!!!!!????? Como assim? Personagens da sua história?
- Não me interrompa, por favor. Você vai entender. – e continuou:
- “quando meus amigos entraram na mata, para fazer o reconhecimento e desbravarem Rondônia, esse era o discurso deles, eu fiquei no acampamento. Dormi muito, não sei ao certo quanto tempo, mas dormi muito. O sol já estava se quando comecei a ouvir gritos, gritos de socorro, de pavor, de desespero.... foi horrível, lembrar de tudo aquilo é muito doloroso.”
Thiago desviou os olhos para Carina, ficou apavorado com o que viu. Os olhos dela, deliciavam-se com cada palavra de sofrimento de Cecília. Ela, eles estavam apreciando, degustando cada momento de dor, de angústia. Thiago sentiu medo. Por dentro, ele chorava.
- “ eu saí desesperada da barraca e vi quatro amigos sendo arrastados e jogados em um buraco entre as pedras da cachoeira. Uma cabeça foi lançada aos meus pés. Tiago gritou para eu correr. Fiquei paralisada. Fui ao encontro dele e quando me aproximei a coisa mais horripilante de minha vida estava diante dos meus olhos. Tiago puxou meu braço para corrermos e uma lâmina fina cortou minha mão. A dor era tão grande, mas não era nada diante do que estava por vir. Tiago e os outros, jogados na gruta, gritavam, estavam morrendo. Fui empurrada no mesmo vão, entre a cachoeira e as pedras. Colocaram-nos um ao lado do outro. Falavam coisas que não entendíamos e um por um foi decapitado. Tiago, estava muito mal e um dos monstros, segurou minha outra mão, colocou a espada e fez com que eu, eu o matasse. A expressão de terror dos olhos dele, ainda fazem parte dos meus pesadelos.”
Nesse instante, uma névoa tomou conta do aposento. A mesma névoa de sempre. Era uma cena de filme de terror.
- Quem fez tudo isso Cecília. Quem ou o quê?
- Nós Thiago. Fomos nós.
- O quê? Como? Por quê?
- Como? Ela já contou. Por quê? Ela não sabe. Vai descobrir agora. E você também. – o chefe do grupo, chamado de pai, estava transformado. Todos estavam. As gêmeas e os outros, antes tão serenos, agora...
- Venham...
Cecília e Thiago foram arrastados pelos aposentos. As outras pessoas do Lar, permaneciam imóveis. Colocaram os dois em um carro e partiram rumo a cachoeira da fazenda do avô de Thiago.
- Por que a fazendo do meu avô?
- Por que foi lá que tudo começou.
- Foi na Cachoeira Colorado.
- Foi....
- Thiago, - disse Carina toda meiga – fique calmo, não vamos fazer vocês sofrerem. Mas nós precisamos do sangue de vocês para continuarmos vivos.
- Nosso sangue? – a cabeça de Thiago girava, não entendia nada. Seria um pesadelo?
- Em 1964, nove jovens entraram em uma água que nos dava vida. Cecilia lhe disse que o lugar parecia mágico, certo? Então? Era mágico. Quando vínhamos nos banhar na cachoeira, as águas funcionavam como uma fonte da juventude. O problema é que nós ficamos submersos por muito tempo antes de irmos embora e eles precisavam morrer, para que permanecêssemos vivos.
- E o que eu tenho com isso? Por que não mataram Cecília na época?
- Por que precisávamos de você, hoje. Entenda: Cecília – Tiago – Thiago.
- Meu Deus, vocês são demônios.!.
Cecília só chorava e pedia desculpas a Thiago. A lenda urbana era real, pensava o garoto. Como escapar daquela armadilha?
Quando chegaram à casa da fazenda, o capataz não estava. Nem ele, nem ninguém. Thiago ficou mais apavorado ainda.
- Vocês mataram todos os empregados.?
- Claro que não! Não somos assassinos.
- São o quê? Anjos?
- Quase! Respondeu Carine com um sorriso sarcástico.
Começaram a caminhar rumo a cachoeira, não era perto e Cecília não aguentaria. Após alguns metros, a ‘mãe’ do grupo disse alguma coisa e um dos garotos, pegou Cecília nos braços e a carregou como se ela não pesasse absolutamente nada. A força não era humana. Os outros membros da ‘família’ carregavam mochilas. Mochilas grandes e aparentemente, muito pesadas. Os passos eram firmes e rápidos.
Quando chegamos à cachoeira:
- Essa não é a cachoeira da propriedade do meu avô. Ela é linda. Parece um desenho.
- Agora você entende o que aconteceu?
- Ainda não...
- Estamos falando de dimensões paralelas. Nós estamos presos aqui há quarenta e oito anos, este é o momento de voltarmos.
- ...
Cecília continua chorando.
- Preste atenção garoto, nós não queríamos matar os amigos da sua amiga, mas eles desafiaram as águas purificadas e agora elas precisam banhar-se em sangue. Não temos nada contra vocês, mas precisamos voltar para casa.
Thiago ouvia e não entendia nada. De repente, diante deles oito jovens deformados: Janete, Antônio, Verônica, Mateus, Sandra, Pedro, Camila e Tiago. A aparência que tinham era a mesma do momento de suas mortes.
- O que é isso? Quem são eles?
- São meus amigos. – respondeu Cecília, aproximando-se do grupo.
Naquele momento, novamente aquela névoa macabra.
- Chegou o momento. Junte-se a eles garoto. Precisamos de você.
- Eles não estão mortos?
- Sim e não. Cecília... explique.
- Eles nos mantiveram neste estado, até agora. Esperando por você...
- Nos mantiveram? Você também está morta?
- Todos estamos. E para voltarmos a viver. Precisamos do seu sangue nas águas.
- Nós, finalmente vamos descansar Thiago. Ficaremos juntos para sempre.
Os nove cadáveres dirigiram-se de mãos dadas até o leito do rio. Pularam e afundaram com pedras.
Carina e Carine, seguram os braços de Thiago e o levaram para a parte de cima da cachoeira. Neste exato momento, o pai e o avô do garoto, juntamente com alguns empregados da fazenda, arremessaram na água um boi, quase morto, sangrando muito.
Aquela estranha família, começou a derreter, gritando e transformaram-se em nada.
Thiago não entendeu o que aconteceu, assim como os empregados também não. Seguram o garoto e levaram-no para a sede da fazenda. Chegou inconsciente e assim permaneceu por três dias.
A polícia federal foi acionada. Buscas nos rios das circunvizinhanças foram realizadas até que, finalmente todos os corpos foram encontrados, incluindo o de Cecília.
Ninguém nunca compreendeu o que realmente havia acontecido; tudo aquilo foi real ou só mais um pesadelo. Thiago ainda não sabe. Não quer compreender. Cachoeira? Acampamento? Nunca mais! A família de Thiago continua morando em Vilhena, ele, terminou o curso de medicina em São Paulo e está trabalhando na ONG Médicos Sem Fronteiras.



Realidade ou não, tudo o que sei é que só estou contando porque eu sei que realmente aconteceu.



FIM!!!!!















Fátima da Silva
Enviado por Fátima da Silva em 15/05/2016
Alterado em 19/01/2017


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